Claudio Seto e Maria Erótica em livro

Jornalista mostra a ditadura brasileira sob o ponto de vista dos editores de revistas masculinas, cenário em que um dos focos de resistência era a curitibana Grafipar

A voluptuosa Maria Erótica, inesquecível personagem do mestre dos quadrinhos Cláudio Seto – que morou em Curitiba de 1975 até sua morte, em 2008 – empresta o nome para um importante livro sobre a ditadura militar no Brasil, lançado no último dia 26 e escrito pelo jornalista baiano Gonçalo Junior: Maria Erótica e o Clamor do Sexo – Imprensa, Pornografia, Comunismo e Censura na Ditadura Militar.

Seto, que fez história como um dos pioneiros do mangá no Brasil, é um dos dois paulistas descendentes de japoneses – o outro é Minami Keizi, fundador da Editora Edrel – cujas trajetórias ajudaram Gonçalo Junior a contar a história dos quadrinhos e revistas eróticas no Brasil e a conturbada relação de editores, distribuidores, jornaleiros, escritores e desenhistas com a censura durante o governo militar.

Este é o trunfo da obra: mostrar a ditadura militar brasileira de um ângulo nunca antes explorado – o dos criadores das revistas de sexo. E olha que eles foram alguns dos profissionais mais perseguidos pelo regime, que, desde o início, associou o erotismo a práticas “subversivas” e ao comunismo. Acontece que as publicações libidinosas também sofriam intensa perseguição nos países da então chamada Cortina de Ferro – como bem lembrou um editorial provavelmente escrito por Millôr Fernandes em uma edição de O Pasquim do início dos anos 70. Essa exótica vinculação, segundo conta Gonçalo Junior no livro, viria do maciço apoio de organizações conservadoras, como a Tradição, Família e Propriedade (TFP), ao golpe de 1964 – o que teria levado os militares a zelar pela “moral e os bons costumes”.

A cruzada moralizadora dos militares resultaria numa das maiores contradições experimentadas pela sociedade brasileira na história recente. No fim dos anos 60 e ao longo de praticamente toda a década seguinte, enquanto a pílula anticoncepcional e a contracultura precipitavam a revolução sexual no mundo todo, o Brasil retrocedia com a censura prévia, prisões e apreensões no mercado editorial ligado ao sexo.

Um dos focos de resistência do setor, por incrível que pareça, funcionava na provinciana Curitiba: era a Grafipar, editora fundada por Faruk El-Khatib na segunda metade da década de 70 e que, com a ajuda do jornalista curitibano Nelson Faria de Barros – um dos fundadores da TV Paranaense –, publicaria a primeira revista masculina fora do eixo Rio-São Paulo, a Peteca. Mais que isso: se firmaria como uma das principais editoras de quadrinhos e revistas eróticas do país, atraindo profissionais de renome e viabilizando ao seu fundador a representação no Brasil de uma das mais importantes revistas do mundo no gênero, a norte-americana Penthouse.

A segunda metade do livro é inteiramente dedicado à editora curitibana. Além de esmiuçar as relações dos profissionais com a censura e a repressão, Gonçalo Junior revisita a história dessa fatia do mercado editorial do país, e sua influência decisiva nos costumes e na personalidade do brasileiro. Para ter na estante, como documento histórico.

Serviço: Maria Erótica e o Clamor do Sexo – Imprensa, Pornografia, Comunismo e Censura na Ditadura Militar, de Gonçalo Junior. Peixe Grande, 494 págs., R$ 69.

Fonte: Gazeta do Povo

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