Tamanha era a timidez de Patrícia Kamis, que havia dias no colégio Sagrado Coração de Jesus, só para meninas, em que faltava à “típica aluna japonesa” coragem para responder à chamada. A arte veio atender à vontade de expressão que a vergonha não permitia.
Pequena, a curitibana escrevia poesias, tocava piano. Hoje faz teatro, como atriz e dramaturga. Atua pela primeira vez em uma montagem da Companhia Brasileira – Oxigênio – e com seu Grupo Camelo, fundado com o marido, Pretto, e a atriz Laura Haddad, criou o espetáculo Lendas Japonesas, o melhor para crianças feito na cidade este ano, pela escolha do Troféu Gralha Azul.
Escritas
Patrícia escreveu a peça para a avó imigrante, mas a senhora infelizmente não viveu até a estreia. A tradição nipônica filtrada pelos pais, que cresceram no Norte do estado, chegou à garota pela língua que ouvia em casa, a música e os filmes. Sobretudo, pela rigidez da educação recebida.
“Mesmo o teatro foi uma forma de me expressar, me escondendo atrás de personagens. Nunca eu mesma”, percebe. Diferente da atual exigência do diretor Marcio Abreu para que ela não represente, mas assuma a própria presença sempre renovada diante do público.
Para quem quando criança temia falar, surpreende Patrícia ter se tornado segura a ponto de despir a blusa em um projeto artístico no qual acredita, como Oxigênio. Não foi fácil, mesmo. “Acho uma coisa muito íntima”, diz séria mas bem-humorada a mulher de 33 anos. “Agora está mais tranquilo, porque a questão não é a nudez, mas o despojar. Mais importante é o que eu digo, não minha timidez.”
No passado, ela recusou um papel no cinema para não expor o corpo e ouviu da diretora de teatro Mariana Percovich que sua atuação piorou quando pôs um figurino transparente nos ensaios de Medea Material, a mesma montagem que lhe apresentou o marido, o dramaturgo e diretor teatral Pretto. “Que bobagem”, comenta agora. “Corpo também não é nada. É instrumento de trabalho.”
Patrícia abraçou de vez o teatro quando passou no teste para atuar em Memória, do diretor Moacir Chaves, em 2006. “Enterrou” de vez a carteirinha de advogada, que até então a sustentava.
Sua base na arte veio dos estudos na escola Cena Hum, onde aprendeu história, maquiagem, interpretação. Fez por um tempo a Faculdade de Artes do Paraná, mas não sentiu necessidade de terminar. Curioso, pois em sua única visita ao Japão, se culpou por não falar o idioma dos antepassados e não demorou a entrar na faculdade de Letras.
Na viagem ao outro lado do mundo, aliás, Patrícia encontrou dificuldade de encontrar a própria família entre tantos habitantes de olhos puxados. Em compensação, os japoneses a distinguiam como estrangeira pelo tom da pele e a maneira de andar.
Essa identidade contraditória a estimula criativamente e aparece nas criações do Grupo Camelo, como Nacional Kids, pelo qual ela ganhou o Gralha Azul de melhor texto, e, claro, Lendas Japonesas, o primeiro infantil, que premiou o marido como melhor diretor.
Se Pretto, ao dirigir, é mais intuitivo, Patrícia se diz palpável, prática. Resgata aquele rigor aprendido em casa. “Faço aula de canto porque prezo a qualidade da voz. A escrita tem de ser correta, mesmo com coloquialismos”, diz.
Técnica seria a palavra para definir o que busca, mas não a técnica pura. Ela cita o teatro Nô, com sua precisão de movimento e vocal, mas uma beleza trascendente. “Wabi sabi”, diz – a expressão japonesa aprendida na faculdade para “a beleza da imperfeição”. Como uma rachadura na cerâmica, ocasional, que o artesão destaca com tinta ouro por tornar o objeto único.
Como se Eu Fosse o Mundo, espetáculo em que atuou sob a direção de Roberto Alvim, Oxigênio e Lendas Japonesas têm boas chances de voltar ao cartaz durante o Festival de Curitiba. Com a primeira, Patrícia deve ir também a São Paulo. A segunda pode levá-la ao Rio de Janeiro. Raras ocasiões para se apresentar fora da cidade na qual constrói sua carreira. “Tenho sorte. Mesmo sem sair muito de Curitiba, trabalho com pessoas diferentes, daqui e de fora.”
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