Decidi criar uma nova coluna no Tadaima chamada Kawaii, mas antes achei interessante ler um pouco para definir melhor o termo – tanto para mim quanto para você. Muito se fala sobre kawaii (por favor, a pronúncia certa é káwáíí, com todas as sílabas tônicas), que os desenhos japoneses são, que as meninas são, que os bichinhos são… Mas você sabe o que é kawaii?
Kawaii é uma palavra japonesa para designar algo que é bonitinho, fofo, delicado, etc. No entanto, a palavra em si agrega todo um conceito estético do que é ser bonitinho e, como não há nenhum correspondente exato em português, usarei o termo kawaii no decorrer do artigo. Para escrever, me baseie nas minhas experiências no Japão e na leitura do artigo Cuteness as Japan’s, de Anne Allison.
Ligado a doçura, a bondade e a figura feminina, kawaii é um conceito estético que teve início nos anos 70, com o crescimento da economia japonesa e a comercialização de produtos relacionados à mascotes e personagens de animes e mangas. A grande representante do boom kawaii é a personagem Hello Kitty, que até hoje está presente no mercado inserida nos mais diferentes bens de consumo, como panelas, batedeiras, tampas de privadas, roupas de cama, etc.
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Um dos motivos da excessiva presença de elementos kawaii na vida dos japoneses é por ser uma forma de escapismo dos rigores da sociedade. O conceito em si traz a conotação de doçura, dependência e gentileza, remetendo assim à infância e à proteção de um lugar “quentinho”. Junto a isso, os prazeres do consumo proporcionados pelos mascotes contrapõe as longas horas de isolamento, estudo e trabalho árduos.
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Kawaii além do visual
Se você já teve contato com alguma história japonesa, seja anime, manga ou filme, deve ter percebido a grande diferença entre os heróis japoneses e os americanos. A cultura pop americana retrata seus heróis bonitos, ambiciosos, fortes, lutadores e destemidos. Já no Japão eles são desajeitados, inseguros, às vezes com aparência repulsiva e, acima de tudo, possuem o bem e o mal dentro de si. A atração que as pessoas tem pelo kawaii vai além do visual, também tem muito a ver com o envolvimento e a interação que o leitor ou telespectador tem com o personagem.
Essa indefinição do bem e do mal muitas vezes não funciona nos EUA e por isso acabamos recebendo histórias picotadas no Brasil, já que existe todo um processo de readaptação para um determinado público (não vou discutir se isso é bom ou mau). Por exemplo, o primeiro filme do Godzila (Gojira, em japonês), mostra um animal repulsivo mas que ainda tem sentimentos, o que acaba causando tanto o ódio quanto a admiração de quem recebe a história. Na versão americana o Godzila é mau, mau mesmo, mata criancinhas e precisa ser exterminado. Porém, os japoneses não conseguem aceitar essa visão, tanto que fizeram uma nova versão do Gojira para voltar com a imagem kawaii do mostro.
Outros exemplos do texto são Pikachu e Doraemon, que além de serem bonitinhos visualmente, são envolvidos por todo um imaginário, não são perfeitos, não são extremos – são, assim, mais próximos dos humanos sem estarem caracterizados como humanos.
Imaginação Fértil
Se olharmos um pouco para a história japonesa, logo percebemos que o imaginário sempre esteve presente. São lendas, crenças, religiosidade, fantasmas, acontecimentos sobrenaturais, etc. Sendo assim, fica muito mais fácil entender porque os japoneses gostam tanto de mascotes que, muitas vezes, não se parecem nada com o mundo real. O kawaii é uma forma de resgate do imaginário.
Naturalmente, sendo um resgate do imaginário, é uma fuga da realidade. Enquanto os personagens americanos são sempre realistas ao extremo, os japoneses não se sentem atraídos por mascotes reais demais, como se o pensamento fosse na mão contrária, “eles não podem me fazer lembrar da realidade, mas sim esquecê-la“.
Outro atributo, esse pessoal, à aparência dos personagens japoneses é que eles, uma vez não se aparecendo com uma figura real, representem o todo, a massa, a sociedade inteira. Seria algo como “não me identifico com uma pessoa, mas com um personagem fictício que representa o grupo de pessoas“.
Prós e Contras
Numa época em que as pessoas se isolam cada vez mais e tem menos tempo para se divertir, o consumo de produtos kawaii é uma maneira de diminuir a solidão e aliviar o estresse. Por outro lado, o excesso de produtos com personagens acaba por confundir um pouco os limites entre o que é brincadeira e o que não é.
O texto que eu li é de 2006 e eu imagino que se fosse escrito hoje a crítica seria ainda maior porque hoje a sociedade no mundo inteiro está ainda mais sinestésica e tudo parece querer nos levar para a diversão. No Japão tenho a impressão que tudo tem que oferecer uma contrapartida divertida, fácil, aparentemente sem sofrimento. Né, Pikachu?
Leia mais sobre a cultura Kawaii.
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